“VIVÊNCIA DE CONSUMO: UM PASSO ALÉM DA EXPERIÊNCIA”

Por Michel Cutait em 11 de fevereiro de 2015

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A idéia de experiência de consumo tem sido desenvolvida, difundida e compartilhada no mercado há pelo menos 15 anos, e praticamente todos os profissionais, as empresas, os estudiosos e também os consumidores, todos tem convicção de que o relacionamento no mercado de Varejo e Shopping Center depende da idéia de experiência de consumo. Acontece que esse conceito, atualmente, parece um pouco desgastado, para não dizer, ultrapassado, e isso porque o próprio mercado consumidor evoluiu em suas expectativas em relação às suas experiências de consumo e em relação às formas de interagir e se relacionar com os produtos, os serviços e as empresas.

Essa evolução se baseia na própria evolução das necessidades, preferências e vontades dos consumidores, das pessoas em geral, porque à medida que os consumidores avançam nessas experiências de consumo, começam a ficar mais críticos, mais conscientes, mais curiosos e evidentemente mais insatisfeitos com aquilo que já conquistaram, e passam a buscar, procurar ou reivindicar novas formas de relacionamento que seu papel dentro dessa relação de consumo não seja somente como destinatário final dos produtos ou serviços, mas principalmente para começar a fazer parte da construção e desenvolvimento de todas essas experiências de consumo.

E para fins de compreensão e assunção de um novo conceito, vamos chamar essa evolução de “vivência de consumo”, que é um passo além da experiência.

A “vivência” traz no conceito a própria idéia de participar da experiência, de construir a experiência e de criar a própria experiência a partir das suas necessidades, preferências e vontades, até que a pessoa esteja totalmente absorvida, envolvida e comprometida com aquela experiência.

Uma das empresas pioneiras, com relevância mercadológica, na aplicação do conceito de experiência de consumo, como uma estratégia de marketing planejada, foi a Apple, que começou a vender seus produtos de uma forma totalmente nova, dinâmica e experimental, que permitia que os consumidores pudessem tocar nos produtos, testar os produtos e experimentar os produtos no ponto de venda, mudando os paradigmas de como os consumidores se relacionavam com as empresas, especialmente aquelas do mercado de varejo.

Hoje, poucos consumidores conseguem entender ou aceitar que uma loja, uma empresa, um produto ou um serviço não ofereça essa possibilidade de experiência de consumo, incluindo elementos importantes como transparência em relação às características do produto, exposição dos produtos de forma cativante e atraente, atendimento com vendedores ou consultores com conhecimento profundo do produto ou serviço, e também um ambiente de loja planejado e desenhado para que o consumidor se sinta confortável, estimulado e encantado para permanecer o maior tempo dentro da loja.

Acontece que tudo isso já é uma realidade, já é uma conquista do consumidor, e que já não se sustenta porque as necessidades, preferências e vontades dos consumidores evoluíram para um patamar além da experiência, para um nível de relacionamento que precisa ser compreendido como “vivência de consumo”.

Na vivência de consumo o consumidor não quer só a experiência, ele quer ser co-autor do processo de criação do produto, ele quer ser co-protagonista da história da marca ou da empresa, e os exemplos dessa tendência são patentes em diversos mercados, não somente no varejo, mas também no mercado online, como por exemplo, do fenômeno que foi e que ainda é o YouTube, e todos os portais interativos, em que, cada usuário, passa a ser o inventor da sua história que é veiculada na plataforma do sistema.

E também não é por outra razão que os consumidores gostam tanto de compartilhar fotos nas redes sociais, não é somente porque querem mostrar para seus amigos e familiares que eles foram num restaurante, viajaram ou estão se relacionando, o que esse comportamento demonstra, na verdade, é uma vontade imensa que as pessoas têm para mostrar que estão criando e construindo uma história de vida.

Mas, voltando para o varejo, esse conceito de vivência é muito bem traduzido nas idéias de laboratórios, que são os ambientes criados nas lojas para permitir que os consumidores experimentem os produtos ou serviços, mas também que permitam que esses clientes participem do processo de criação, construção e desenvolvimento do produto.

Esses laboratórios permitem que o consumidor avance um passo além da experiência, porque, nos laboratórios o consumidor vivencia o produto desde a sua criação, desenvolvimento, teste e finalização, e o resultado dessas vivências é muito expressivo no aprofundamento do envolvimento emocional, subjetivo e pessoal dos consumidores.

Um bom exemplo é o que algumas cafeterias estão propondo, e para não ir longe, podemos citar as propostas de “laboratórios” da rede de cafés “Santo Grão” e também da “Coffee Lab”, em que o consumidor pode participar de todo o processo, desde o aprendizado sobre a matéria prima até seu beneficiamento, do desenvolvimento do produto até seu teste prático, e também na oportunidade de oferecer o feedback dessa vivência como forma de incrementar o aprendizado/ensinamento proposto no laboratório.

E o melhor, nesse tipo de proposta de vivência, a loja consegue uma opinião muito verossímil e realista do seu cliente ou consumidor, podendo usar esse feedback como um input muito importante para incrementar o produto, a oferta e, principalmente, para melhorar o o próprio relacionamento com seus consumidores.

Há diversas formas de criar vivências de consumo, e apenas para evoluir um pouco nas possibilidades, podemos citar, por exemplo, a idéia do crowdsourcing, que traz, no conceito, a vivência ou a colaboração das pessoas no desenvolvimento de uma solução para um produto ou um serviço.

No crowdsourcing uma empresa apresenta um determinado produto para o crowd, para a multidão, incluindo os consumidores, e a partir da vivência dessas pessoas com o produto, recebem e assimilam todas as idéias, sugestões, críticas e inovações que surjam do crowd para que sejam validadas, incluídas e aproveitadas no desenvolvimento dos produtos ou dos serviços. Neste caso é importante se certificar de que as pessoas possam colaborar com um elevado grau de liberdade, confiança e lealdade, com o objetivo de permitir que a pessoa se comprometa no processo de uma forma intensa, honesta e entusiasmada.

Outro exemplo de vivência de consumo está sendo praticado pela própria Apple, que é o Genius Bar, onde o consumidor consegue se aprofundar, aprender, descobrir e vivenciar todas as ferramentas dos seus produtos na prática, com um consultor especialista do lado, num ambiente totalmente despretensioso, amistoso, colaborativo e contributivo, em que o próprio consumidor consegue resolver suas dúvidas e encontrar suas respostas pela vivência prática com o seu produto, o produto que já comprou, e a partir dessa vivência, o consumidor consegue tirar o máximo de proveito da experiência de consumo, que não se limita à venda, mas que se estende pela experiência de uso dos produtos ou dos serviços fora da loja, no dia-a-dia de suas vidas pessoais.

A experiência de consumo já é uma exigência básica do mercado, e a grande maioria dos consumidores espera e não se contenta com nada menos do que ter uma experiência agradável, interessante, atraente, cativante e significativa com o produto ou o serviço que ele almeja adquirir, comprar ou testar, e por isso mesmo esse conceito já se mostra redundante e previsível, e precisa evoluir, e os próprios consumidores estão mostrando esse novo caminho, uma nova necessidade, uma nova vontade que é vivenciar a experiência em um nível mais profundo, em que o consumidor seja parte do processo de criação e desenvolvimento do produto, para que ele possa aprender, conhecer, compartilhar, desfrutar e lembrar como uma experiência ainda mais gratificante e desafiadora, algo que permita que ele se comprometa e se envolva profundamente com aquela experiência, que é a vivência de consumo, e isso, hoje, precisa ser o novo desafio do varejo e também dos Shopping Centers.

Michel Cutait

Michel Cutait

Michel Cutait é especialista em Shopping Center e Varejo. Diretor da Make it Work, empresa especializada no desenvolvimento, planejamento, elaboração, produção, execução e administração de negócios para o mercado de Shopping Center e Varejo. Trabalha há 22 anos no mercado, tendo colaborado diretamente para mais de 100 empresas, incluindo 70 Shopping Centers e diversos varejistas, totalizando a gestão de ativos equivalente a US$ 5 bilhões em receita, 1,7 milhões m2 de Área Bruta Locável (ABL) e 11,2 mil lojas em operação. Além disso é advogado no Brasil e Portugal, escritor, perito, consultor e professor de cursos de extensão e pós-graduação em Shopping Center e Varejo, tendo ministrado aula para diversas Universidades como ESPM, Fundação Dom Cabral, Universidade Positivo e outras. Também apresenta palestras e realiza treinamentos sobre temas ligados ao mercado de Shopping Center e Varejo. Fez Mestrado em Gestão e Tecnologia na EPFL na Suiça, Marketing pela Curtin University na Austrália e Mestrado em Relações Sociais pela PUC/SP. Formado em Direito pela UNESP/SP. Certificado em Empreendedorismo em Varejo na Babson College em Boston/USA e Mercado de Ações pela BMF&Bovespa. Também estudou Doutorado em Ciências Jurídico-Economicas na Universidade de Lisboa em Portugal e MBA em Gestão de Shopping na FGV/SP. Administra e mantém o grupo "Shopping & Varejo" na rede de negócios do Linkedin.
Contato: michel@makeitwork.com.br
Michel Cutait

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